Encontro


Observando o velho relógio prata que trazia no bolso, ele percebeu que estava atrasado. Mas o que podia fazer? Estava preso naquele recinto até as 18 e 30. Tamborilava nervosamente os dedos sobre a decrépita mesa de madeira. O mestre explanava timidamente a respeito da crítica de Nietzsche para com Kant. Todos os demais presentes deliciavam-se, sorvendo cada fonema proferido pelo modesto locutor. Ele, contudo se embebia em ansiedade, agora ele era urgência, era pressa. Não poderia perder este encontro, o encontro era por demais importante. O mestre não entenderia, os demais educandos não entenderiam, Kant não entenderia e Nietzsche certamente diria algo a respeito.
Ora, eis que já se atrasara por demais, visto que agora, a noite já adentrava pela janela oeste da modesta saleta. Tanto se atrasara que não agüentou, rompeu porta afora bufando. Preciso vê-la, foi à explicação. Raios, por que somos todos fadados ao sofrer angustiante? Uns menos outros mais, mas todos a temos, a ânsia. Bendita entre os bárbaros com seus machados em guerras passadas, porem agora apenas um mal estar numa terra arruinada e agonizante que vomita pressa e acelera o imediato.
O ar lá fora era muito mais agradável, ele conferiu o relógio novamente, raiva, agora ele era raiva. Atrasado novamente, pensou com seus botões. Em sua consciência surgia fixamente a imagem dela, límpida, clara e bela. Logo chego lá, acalmou-se. Desceu a avenida as pressas enquanto ajeitava a gravata. Virando a esquina, parou em frente a vitrine da livraria. Aproveitou e empertigando-se, se arrumou frente ao reflexo projetado pela vidraça, o chapéu fora endireitado assim como o lenço em seu bolso. Tornou a realidade e correu, tomou prumo, zarpou. Atravessando a rua desceu pela passarela que desemboca na praça de frente pro rio. Sob o poste agourento jazia seu funesto banco. Enquanto caminhava checou novamente o relógio. Sentou-se, agora ele era alívio. Era leve, era pluma. Chegara a hora e ela já o esperava lá, altiva e serena. Uma lagrima lhe percorreu a face extasiada, afinal ela era sua amada, sua musa e sua confidente. Não pode agüentar e logo se declarou, te amo, te amo e te amo. Ela não se moveu, continuou a brilhar sem reação, sem expressão, mas permanecendo linda. Ele suspirou e lamentou-se: Tu és bela e não és minha, isso eu sei. És, contudo de Gaia e somente a ela buscas durante toda tua existência. Tenho eu culpa de amar-te? Tens culpa tu da órbita intensa? Amamos, eu e tu, cada qual a seu modo.

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