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Mostrando postagens de dezembro, 2007

Pata de vaca

Uma vez que se havia descido as escadas do velho banheiro, a sorte estava lançada. Não existia possibilidade de volta. Ela, a grande incompreendida, por lá assombrava. Com seus cascos há tempos calejados, ela percorria o mirrado corredor subterrâneo. Para a torpe presa restava apenas a angustia e o desespero. Ela, se foi há tempos. Há tempos ela partiu. Apenas o banheiro, o velho banheiro, permaneceu, como prova de sua execrável existência. Os antigos, e os antigos somente, recordam dos mancos passos que ecoavam do proibido banheiro da esquecida escola na pequena cidade. Dos horripilantes gritos que dali provinha em certas ocasiões misteriosas e inquietantes, ninguém ousa falar, mas continuam ressoando pela sombria memória dos graduandos de 87.

Voltemos ao deserto

Voltemos ao deserto. Para suas visões e miragens. Lar de belas paisagens. Reino de serpentes e lagartos. Onde abunda a sede e míngua a água. Venha nobre dama, voltemos ao deserto. Para sentirmos sua extenuante opulência. Nas areias, árduo é o pensamento. Ousemos andar pelo deserto, onde sentimo-nos pequenos. Voltemos ao deserto, para amarmos sob as estrelas. Para mirarmos a interrogação da alma nos olhos e dessa forma apagar as dores da civilização. Não te preocupes. Deitemos no deserto, onde á beira da fogueira os antigos mistérios materializam formas.

Diário de um parafuso.

Viajei para as terras do norte, para o berço do imperialismo. Carregava em minha bagagem a ingênua pretensão de vislumbrar a totalidade de sua engrenagem. Contudo migrava em meu intimo a tola esperança idealista de conhecer e compreender a alma humana. A alma havia desaparecido com a ascensão do iluminismo e defendida pelo reducionismo médico, incentivado por sua vez pela corporação administrativa, transformando todo esplendor contido nos seres humanos em simples processos mecânicos. Não tardou para que as demais áreas científicas se unissem sob esta bandeira, para formarem a nova religião neo libertadora, a inquestionável ciência. Com este poderoso enredo, criava-se A Mákina, seu manual e sua engenharia de preservação das partes. Como toda instituição que se preze, A Mákina é portadora de extraordinários mecanismos de defesas que a exima de qualquer culpa. Estes mecanismos acabam por culpar meramente algumas partes da estrutura ou em contrapartida, a estrutura por inteira como se est

Sussurro

Hoje a fumaça soprou pelos portões do alvorecer. E toda a natureza resplandecia ao meu redor. Um pássaro sobrevoando os edifícios pergunta: Quem habita aquela janela? A iluminada janela. Quanto a mim? Apenas observava a curiosa cena. Um forte vento surgiu pelo norte, Atravessou os edifícios e rodopiou pela minha varanda. Um vento negro com aspecto maligno que obscureceu o nebuloso horizonte. Questionei como imagens sublimes surgem naqueles que não podem reproduzi-las em telas? Como misteriosas idéias povoam a mente daqueles que não podem registrá-las? Quantas canções rondam os corações daqueles que não cantam? O fétido vento negro grunhiu-me um sorriso e debandou-se pela torrente leste. Lembrei que o homem é cinco. Limitadamente cinco. Exceto quando o vento sopra as cores. A dor é vermelha e a poesia é metáfora. O vento soprou a fumaça para longe dos portões do alvorecer levando-a para as águas turbulentas do rio. O rio que tudo leva e nada cobra. O rio que tudo leva.

Linhas tortas

Nunca consegui ler sequer um único livro de gramática. Contudo, lia com afinco romances e poesias. Desse modo fui tomado a seguir o exemplo de Deus todo poderoso. Comecei a escrever por linhas tortas.

Busca por Neruda

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Atravessei as imponentes cordilheiras para conhecer Neruda. Lá chegando não o encontrei. Vislumbrei casas vazias e tomadas pelo império. Paguei tributo para pisar na morada do poeta. Revira-se no túmulo o sábio da terra do cobre.

Shakespeareando

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ACTO II CENA I/II Diante do Castelo de MACBETH. Lane bate aos portões. LANE MALLUR Que se abram os portões do mundo inferior, Pois maldito este palácio por hora se tornou. Quando MACBETH a Mephisto cedeu o seu ouvido, Sua alma por certo dever ter adormecido. Que chegue meu clamar ao soberano rei E que venha o assassino padecer sob a lei. Oh, querido DUNCAN, o sol não mais te acordará. De teu nome só lembrança agora restará. Porque não ouves e levantas deste nefando torpor E perpassa tua espada neste que te encomendou. Quanto a ti amigo BANQUO, dono de entendimento Salva agora a teu rei e evita o sofrimento. Pois logo tua cabeça, MACBETH também terá E FLEÂNCIO na orfandade para sempre ficará. Dizem, porém em verdade, Que o assassino reinara sem posteridade. De mim: as palavras foram recitadas Agora irei partir desta terra abandonada. Surgem os guardas e arrastam LANE para a forca.

Pintura

Pintava eu minhas ilusões. E enquanto sonhava o tempo passava. E por perder tempo, mais tempo ganhava. Com mais tempo, mais eu pintava. Assim sem sentir, não sorria e não chorava. Vez em quando dormia, mas sempre, sempre despertava.

Felicidade do gato.

Pudera existir como um gato. Como este que me atrapalha. Pois não sente as dores do mundo, Nem a insensatez que por aqui paira.

O Lago

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Vamos ao lago, onde a água permanece límpida e fresca. Onde os pássaros sobrevoam os charcos úmidos. Onde os peixes e demais criaturas aquáticas deslizam furtivamente pela vegetação submersa. Vamos ao lago, onde jamais falta brisa e todo dia é primavera. Onde habita o descanso da mente e a tranqüilidade faz sua morada. Onde os pecados são esquecidos e as ofensas perdoadas. Onde não existe enfado da carne nem veneno ao coração. Vamos ao lago, onde a serena calmaria faz seu leito. Onde as crianças correm em sua margem. Onde os jovens amam em sua relva. Onde não habita inveja ou imperfeição. Vamos ao lago, que é banhado por amor. Onde os faunos compõem suas melodias. Onde o velho recobra suas energias e o vencido reconquista o ânimo. Onde a fé é abastecida. Onde existe contemplação e meditação. Na enigmática superfície do lago a harmonia faz seu refugio. E o sossego remanso de suas águas, trêmula com o vento calmo e puro. Mas quem conhecerá os seres e temores sinistros que rastejam period
Idéia Idéia, Junção de Opiniões. - Ponte Ponte, meio de Chegar a ti. - Sublimação Banho-me no rio. Logo, Subo as alturas.

Duplo-Ego

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Dois em um, no mesmo lugar. Hoje sou eu. Amanhã quem dirá?

Impulsos

Corrói-me este ácido a cada segundo. E minhas costas suportam o mundo. Pobre ansioso Deus me criou. E um vento angustiante Ele soprou. Trancado no escuro, ou livre no campo. Reflito, oro, deliro e canto. O Sol altivo vai sumindo. E a ansiosa Lua vem subindo. Seu brilho mortal induz-me ao torpor. Ansiedades unidas conforme for. Assim como esculturas nós nos fitamos. E por alguns minutos apenas amamos. Um lobo uiva e rouba o momento. Retorna o devorador do meu pensamento. Milhares de toneladas a me pressionar. Voltei a ser eu, tentando amar.