Jardim escondido.

Desperto sobre o mesmérico jardim novamente, ao meu redor encontram-se exemplares de Ageratum, Alstroeméria, Anêmolas, Begônias, Bromélia e delicadas Callas. Todas estas enigmáticas flores possuem um padrão de consistência duvidosa e suas formas irradiam luzes amplamente angelicais, quase únicas. Por toda a margem do ilustre jardim nuvioso, contemplo repetidamente os imponentes carvalhos negros com seus ramos em formas de garras as quais apontam para a ínfima mansão decrépita que a muito invade meu sub-consciente transcendental e a qual jamais vislumbrei no período de vigília. Os pouquíssimos raios solares que perfuram intrepidamente as nubilosas nuvens negras que atravancam o céu tortuoso desta minha melancólica memória inócua logo minguam e morrem aos pés desta terrível estância. Aqui por certo, o reles manquinho em meio a suas mandracarias pestanejava e distorcia a conjunção de fenômenos por mim percebidos.
Num impulso psíquico ergo-me do vasto gramado verdejante e coloco-me naquilo que concebemos como marcha ou caminhada. Neste percurso sinistro observo vultos sombrios e obscuros a espreitar-me sob a proteção dos terríveis carvalhos. Dirijo-me a inexata mansão com suas vidraças escuras e suas portas largas as quais em tempos idos passavam generais de uma guerra agora vencida. Subo as escadas da avantajada varanda que se sustenta graças as resistentes colunas de alabastro que se elevam inexoravelmente em direção ao teto. Ouço, ou melhor, percebo o ruidoso rangido da enegrecida porta sob os umbrais da residência ressoando pelo infinito. Direciono a visão para apurar o que se trata e eis que encontro em minha frente um distinto cavaleiro coberto de pó trajando uma belíssima armadura das eras espartanas. Ao mirar sua mão direita, contemplo uma espada de metal desembainhada, contudo o fio da mesma já não oferece perigo algum. Em meio a sua envelhecida barba branca, meu ilustre locutor profere as seguintes palavras: “Eis que sou cavaleiro, da ordem de Freud, membro da 13ª infantaria inconsciente e combatente de recalques terríveis. Venho diante de vós, sonhador, para que despertes e aceite meu fardo e continue a batalha, caso contrario te levarei a força e te cortarei ao meio, pois assim revela-rei teu Mésion”. Refleti por novecentos anos a respeito da proposta e o tempo já não me abalava o fôlego, e cometi o erro dos imbecis e respondi a questão com uma pergunta. “Fantasma, caso tu não descansas? Não concebes que um novo saber corre pelas pradarias e que novas doutrinas propõem aquilo que reinventaste? Atentai meu velho aquilo que lhe revelo, tua chave de ouro escorregou de tuas mãos, não mais ais de ditar o incontrolável. Queres tu ainda seguir em tua guerra infundada?”. Num ato enfurecido o cavaleiro tornou-se um bárbaro e serrou-me ao meio como disse que o faria, e em seus olhos espectrais havia fogo. Não gritei, pois não temi e subitamente abriu-se o antigo túnel, o escape eterno para a dita realidade. Enquanto meu ser ilusório e auto criado era drenado pelo buraco esbranquiçado pude ouvir ao longe as ultimas palavras do velho que habitava a mansão em ruínas do jardim escondido. “Corre então pelo futuro e faça aquilo que temi, pois eu habito o passado e não mais poderei correr conforme teus pés. Agora correrás ligeiro, pois te revelei teu Mésion e assim serás veloz. Observa os comportamento e analisa as introspecções, pois afinal cada qual tem sua parte na insegura vigília”.

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