Alvor Terra de fábulas.


No interior do aglomerado cósmico insular do universo, próximo a região dos ecos infinitos, situam-se os majestosos picos montanhosos de Arcádia. Este lugarejo singular é constantemente preenchido por curiosos sonetos lunares e jubilosos cânticos de ninar oriundos em sua maioria da pequena e distante Terra. Em meio a todo o esplendor transcendental deste inusitado vale de luzes e gases oníricos habita um velho e excêntrico mago que atende pelo singelo nome de Lanzius. Durante o crepúsculo vespertino, marcado pelos gases de argônio que se intensificam e rodopiam ao norte infindável em busca dos demais gases nobres como o xenônio e o criptônio que tomam formas diversas e nubilosas pela costa oeste, pode-se observar pela pequena e tortuosa chaminé da torre incolor de Lanzius a característica fumaça que sobe espiralada rumo ao negrume universal. Isto indica que o valho mago encontra-se em sua morada preparando uma de suas irreverentes poções mágicas. Lanzius passa a maior parte de seu tempo na biblioteca, que ocupa o quinto e o sexto andar de sua sinuosa torre, ali perdido em meio a historias dracônicas e quixotescas este ancião desfruta de sua tão merecida aposentadoria depois de longos anos lecionando na Academia Arcana dos Magos de Kathos. Não que ele não gosta-se de lecionar, contudo após seiscentos anos alertando seus alunos para que não experimentassem feitiços em seus próprios parentes, acabou cansando a poderosa mente do mago. Lanzius não vive sozinho, na parte superior da torre onde encontra-se seu laboratório e seu enorme telescópio astronômico vive um grande e barrigudo corvo que atende pelo nome de Lyrico. Este esperto animal é um antigo companheiro de Lanzius e o auxilia em tarefas domesticas principalmente no que se refere a cartas e encomendas. Alem de Lyrico, quem habita a torre é Jemenus o invisível, Lanzius criou este ser quando ainda era um jovem mago perdido no universo. Jemenus organiza a torre de Lanzius e o “ajuda” em suas pesquisas mágicas por livre e espontânea pressão, uma vez que ajudar Lanzius em suas pesquisas significa beber poções instáveis ou se tornar alvo de poderosos feitiços. Algumas vezes quando entediado ou incentivado por uma extra dose de café puro, Lanzius desse ao mundo humano na esperança de encontrar um bom dialogo, um tomo antigo, alguma lenda fabulosa ou simplesmente um par de meias novas. É nessas ocasiões que coisas desastrosas acontecem, não que Lanzius tenha intenção de provocar desastres, mas o que ocorre é que seu pé de coelho da sorte acabou passando da validade. Em uma dessas raras ocasiões em que o mago deixa sua torre foi que acabei por conhecê-lo enquanto tomava uma deliciosa xícara de café na lanchonete da esquina. Olhava eu distraído o transito cotidiano da avenida quando uma mão velha e enrugada toca meu ombro:
-Bom dia e bom dia. Terias tu recentemente explorado alguma masmorra antiga ou então escavado alguma das mais misteriosas pirâmides?
Ao ser abordado desta maneira, apenas observei perplexo o velho que trajava um longo manto azul e ostentava sobre a cabeça um pontiagudo chapéu de mesma coloração, a barba branca tocava-lhe o umbigo e um resistente cachimbo de carvalho ou de algum material equivalente lhe pendia dos enrugados lábios. O velho insistiu na pergunta duas vezes mais e cheguei a conclusão racional imediata de que se tratava de um completo louco, desses que vemos na televisão todos os dias. Logo tomando coragem respondi:
- Escute meu velho, acabo de sair do trabalho e vim até este local para desfrutar de um minuto de sossego. Por favor vá incomodar outro freguês. Santa paciência, com estas roupas ainda, só encontro louco.
Analisando as coisas melhor hoje, vejo que me aborreci de modo precipitado, contudo havia brigado com meu chefe naquele dia e por isso me encontrava de cabeça quente. Após minhas rudes palavras o estranho sujeito empertigou-se em uma posição ereta e ergueu um cajado antigo de um material esquisito que havia retirado sabe-se lá de onde. Mirou-me nos olhos e escancarou a boca de modo ameaçador. Confesso abestalhado que por pouco não molho as calças, e se você por algum motivo considera isso covardia deveria ter visto os olhos do velhote. Olhamos-nos cerca de cinco minutos, o ancião com a face séria e eu, jovem tolo tremendo como vara verde. Por fim disse-me o homem:
-Mil macacos translúcidos me mordam e me puxem a barba. Agora lhe reconheço, cacei dragonetes de júpiter com teu tio avó e levei teu pai que era exímio ferreiro para reparar os anéis de saturno. Agora compreendo de onde vem tua coragem para falar assim com um mago de minha posição. Pois bem, esse encontro veio a calhar, amarre tua botina e fecha esta boca cheia de dentes, pois irás agora mesmo comigo para Alvor.
Ora, ao acabar com eloqüência seu falatório o idoso homem bateu a ponta do cajado em minha testa e tudo se coloriu como se eu houve-se entrado por engano em um caleidoscópio gigantesco. Começava assim minhas aventuras junto do enigmático mago Lanzius pela bravia terra de Alvor numa típica tarde de quinta-feira.

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