O renomado doutor despertou cedo naquela manhã. Possivelmente devido a alguma ansiedade que se manifestava devido a fatores aversivos proporcionado pelo ambiente no qual estava inserido. Dono de um raciocínio sagaz e um QI de altíssimo grau este baluarte das artes medicas dificilmente era alvo de tais sintomas. De imediato dirigiu-se ao banheiro onde pode desfrutar de um banho quente e extremamente relaxante. Em seguida, fez a pomposa barba branca que a tanto lhe orgulhara. Hoje seria diferente, hoje é dia de mudanças, esses foram seus pensamentos naquele momento conforme relatou em uma ocasião posterior. Levou alguns minutos para se aprontar e em seguida sorveu uma pequena xícara de café. Por fim estava na rua caminhando em direção ao hospital de uma maneira totalmente diferente das demais manhãs.
O maltrapilho servente entrou no hospital um pouco mais cedo que de costume, mas quem se importa? Tentou em vão acenar para a recepcionista e com isso lucrou um olhar de escárnio e um ego ferido. Continuo sua funesta marcha em direção a sua pequena sala para encontrar seu único amigo, o malquisto e surrado escovão que iria auxiliá-lo nesta empreitada cotidiana. Assim iniciou a sagrada limpeza e luta pela higiene hospitalar prezada por todos e discutida por inúmeros teóricos das diversas áreas da ciência e do conhecimento. Quanto ao inusitado e excluído produtor de tal façanha milagrosa era simplesmente esquecido, ignorado, igualmente representado como um dos inúmeros escravos egípcios que criavam e labutavam na construção das enigmáticas pirâmides, as maravilhas do mundo antigo. Após alguns corredores serem exorcizados da imundice doentia por este agente da saúde, este decidiu subir aos andares superiores e se possível debater questões importantes a respeito de suas idéias em relação à implantação de um projeto que a seu ver ampliaria as possibilidades de prevenção e promoção de qualidade de vida para todos os usuários do endeusado hospital. Tomou o elevador dedicado a sua profissão que o excluía do resto do mundo e assim que desembarcou no sexto andar foi abordado por uma senhora idosa, está relatou que estava ansiosa, pois sua filha estava neste momento trazendo uma nova vida ao mundo e o parto estava complicado. Nosso João, ou Zé, ou somente servente não se deixou esmorecer, acalmou a senhora com palavras de conforto e lhe afirmou que tudo daria bem. A mesma agradeceu e lhe desejou sorte e todo tipo de bênçãos que o céu pode oferecer. Ele seguiu em frente com sua missão. Chegou até a porta pretendida, a sala dos santos médicos que trazem a vida e aliviam a dor. Pensou em bater, mas por fim entrou direto, cinco médicos degustavam um delicioso café quente enquanto relaxavam em confortáveis poltronas, todos o olharam surpresos imaginando o que tão inusitada visita estaria ali fazendo. As palavras proferidas por nosso modesto protagonista foram as mais saudosas possíveis e talvez por falta de habilidade social ou então por sentir-se inferior não conseguiu traduzir todas as suas intenções em palavras. Os agora chocados doutores em toda sua onipresente sabedoria literalmente abestalharam-se e indignados ralharam o pobre servente. Ora, que petulância deste homem em vir ensinar o padre a rezar a missa, não tem cabimento, qual o seu nome sujeito, e tantas outras frases de caráter ofensivo foram proferidas aquela manhã. O homem então chorou, de forma inusitada e extremamente sincera, era um choro de dor, vergonha e compaixão. Cansado e sentindo-se o pior homem na face deste asteróide pequeno declarou em pranto para os cultos doutores; Irmãos não me reconhecem? Sou eu, o famoso e renomado médico que rege esta instituição decrépita. Até onde chegamos? Nos assentamos em tronos dourado inscritos com runas de sabedoria e do alto de nossos egos atiramos sentenças sobre a vida e a morte deste povo. Pregamos a cura e nos esquecemos que este processo não está somente em nossas mãos, mas nas mãos de muitos. Todo dia este senhor de quem tomei emprestada as roupas dirigia-se a este hospital com as melhores das intenções, mesmo com todas as dificuldades que vida lhe destinava. Por quarenta anos ele defendeu sua causa até que por fim tomado pelo cansaço faleceu e me deixou uma carta. Hoje vejo o que ele tanto tentou nos dizer e agora ele não mais esta conosco.
O renomado doutor partiu, rumou para o norte e embrenhou-se na mata. Floresta a dentro prega a paz e a cura a seres que nossa cultura considera inferior de estagnado em alguma ponto remoto na grandiosa evolução. Não podemos conceber como um homem tão inteligente pode ter caído tanto, certamente ficou louco. Loucura, coisa engraçada. Sorte nossa, homens do povo, que aqueles demais doutores que aparecem em nossa historia sabem lidar com esta nova doença. Classificam seus estágios e sintomas e inclusive acusam os demais médicos que por incrível que pareça apresentam sintomas parecidos de estarem insanos. Salve a saúde, um brinde a vitoria. Aqueles que querem a mata, que sumam. Pobres loucos não sabem o que perdem. Continuemos a comer nossos canos quentes e respiremos o odor perfumado da metrópole. Santa paciência quando tudo isto ira passar?

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