Que belo quadro

“Ei, você acabou de sair de dentro do quadro!”, alerta-me o garoto de cabelos negros e um piercing metálico no nariz, sua expressão de terror me alerta que algo está errado neste aposento. Quatro paredes brancas, três portas e um quadro em minhas costas retratam o meu paradeiro. Ignoro o repugnante rapaz enquanto a característica sensação de déjà vu percorre meu corpo. Meus sentidos encontram-se anestesiados ao mesmo tempo em que uma estranha concentração de descarga elétrica percorre meus músculos. Avanço sete passos, sempre sete passos, em direção a porta oeste, sempre a porta oeste, não poderia ser a porta leste? Não, a oeste sempre me leva aos melhores lugares. Afinal, como cheguei até aqui? Recordo que alguma inusitada musica estava tocando.
Abro a porta, adentro sem pestanejar, estou acelerado. Uma escada de madeira carcomida me apresenta uma descida sepulcral. Parece uma daquelas casas antigas onde praticava-se lições ilegais de anatomia em tempos escuros. Inicio a decida, sempre em frente, sempre descendo. As escadas são intermináveis e o odor acre no ar aguça meus sentidos. Um som metálico se faz ouvido no anda subjacente. Algum sentido adormecido ou alguma predisposição genética alerta-me que estou no final das tortuosas escadas. Minhas sandálias tocam um solo frio e empoeirado de madeira no mesmo instante que imagens de minha infância tocam minha consciência. Não estou só, existe um leve sorriso na sala. A mesa no centro está quase apagada e janela a esquerda fechada e trancada como sempre esteve. Existe duas portas, escolho a oeste, sempre a porta oeste.
Abro a porta, adentro sem cogitar, estou confuso. Um corredor escuro se apresenta, em suas paredes de tom barroso atravessam descargas elétricas como se fossem relâmpagos frenéticos. O zumbido enervador das correntes elétricas desperta um terror adormecido de minha memória. Corro, é melhor correr. A escuridão somente oferece trégua durante os clarões e estampidos chocantes. Existe uma porta ou algo semelhante, é minha chance. Abro a porta.
“Ei, você acabou de sair de dentro do quadro!”

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Caricaturesco

Desvia teus olhos. Ensaios de “Uma carta a espécie humana”

Alvor Terra de fábulas.