Quem sabe faz ao vivo.


A dezenas de eras atrás, quando a lua vagava sozinha pelo infinito do universo, ouvia-se uma tremenda discussão nas montanhas voluptuosas de Arcádia. Nos jardins oníricos que cerceavam a enigmática torre arcana de Lanzius o sábio, encontrava-se dois inusitados senhores, eram estes Faistlin e Rachlin. Ambos eram aprendizes do renomado mago e desta forma disputavam a atenção de seu mestre. Faistlin era afobado e rápido em raciocínio, com sua língua sagaz reinventava feitiços e encantava facilmente seres de fraca vontade, por essa razão vestia o manto vermelho de Orbax. Ora, Rachlin era homem esguio de testa larga e braços compridos, muito calado e introvertido, falava somente o que era necessário, contudo ninguém o superava em duelo direto a não ser os grandes magos que habitam no tempo. Além disso, Rachlin era completamente racional e não se apegava a abstração que tanto alegrava Faistlin que se considerava estudioso das dimensões interiores. Por seu comportamento prático e objetivo, Rachlin ostentava o manto verde de Skar.
O motivo da discussão entre os aprendizes era a lição que Lanzius havia programado para aquele dia. O velho mago havia demonstrado e apenas uma vez, um antigo feitiço celta de invocação de leprechaus para seus alunos. Aquele que absorve-se com maior rapidez o conteúdo daquela tarefa seria honrado com artefatos de poder. Ambos tentaram por diversas vezes, mas a mágica insistia em falhar. Faistlin concentrava-se por longos períodos de tempo e dessa forma almejava manipular sua energia psíquica e canalizá-la para a realização do feitiço. Sua teoria era a de que seu eu interior poderia auxiliá-lo nesta tarefa e lhe mostrar o caminho, acreditava que um universo totalmente interno coexistia em seu interior e lá habitava o verdadeiro mago Faistlin. Rachlin considerava esta idéia tola e não suportava termos vulgares como mente e psiquismo para explicar encantamentos arcanos. Para Rachlin os feitiços seguiam normas lógicas e observáveis, como os movimentos e palavras proferidas durante as execuções mágicas. Rachlin ia além, afirmava que todos os seres são isomórficos e por tanto não existia uma essência extra corporal que habita-se dimensões distantes. Não havia cabimento lógico nos termos mente, cognitivo ou coisa semelhante, para Rachlin somos apenas uma estrutura.
Desta forma, enquanto Faistlin meditava, Rachlin indagou: Como sabes que estais meditando amigo Faistlin?
Ao que o outro respondeu: Ora, cruzo as pernas em posição de lótus, fecho os olhos e vago por regiões desérticas de minha mente. Por isso sei que medito.
Rachlin concluiu: Veja bem, apenas sabes que meditas porque emites comportamentos de meditação caso contrario não haveria meditação alguma. Refletes em pensamento do mesmo modo em que falas, ou seja, emites comportamentos verbais e nada mais. Este teu outro eu que te perpassa nada mais é que pura ilusão, um homúnculo que criaste.
Faistlin então se irou novamente e ergueu seu cajado rubro em direção ao colega surpreso. Rachlin o instigou e disse que o amigo jamais conseguiria conjurar o feitiço ensinado naquela manhã. Faistlin pareceu topar o desafio e iniciou seu ataque psíquico, tentou três, quatro vezes sem êxito algum. Rachlin sorriu e ergueu seu cajado de ébano. Então alertou ao irado companheiro: Mostrarei a ti como farei este feitiço, pois analisei Lanzius enquanto o ativava, farei mais, te darei teu homúnculo para que nunca te esqueças.
Rachlin emitiu os movimentos idênticos ao de seu mestre, sem tirar nem por movimento algum. Em seguida entoou o cântico silvestre e apontou o cajado para Faistlin. Dessa forma um pequeno leprechaun materializava-se sentado ao ombro do mago vermelho. Com mais um movimento de seu cajado, Raistlin acrescentou uma inovação de sua autoria ao feitiço e a pequena criatura de barba longa adentrou o ouvido de Faistlin e lá fez morada.
Conta-se nas academias arcanas de todos os cantos metafísicos do universo que naquele dia Faistlin se isolou em um buraco negro distante no negrume universal, onde ainda hoje é atormentado pelos piores tipos de piadas leprechaun que você possa imaginar.
Rachlin escreveu um livro, plantou uma arvore e comprou um cachorro. Lanzius o enviou até plutão certa vez em uma missão importante, mas isso fica para outra historia.

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