Tarde chuvosa


Enquanto lia serene e contemplativo na desbotada poltrona marrom ecoou em meus ouvidos o estampido zunido da chuva que logo chegou. Chuva forte e tenaz, que rasga o ar como se este não existisse, rasgou-me ao meio e dividiu-me a concentração. Ora leio com atenção, ora escuto o temporal. Misturo palavras e orações com o canto do aguaceiro, musica nobre de fato, mas que me corta ao meio, a razão é dupla ou unilateral? Acredito que possua diversas saletas onde repousa as inúmeras filhas da percepção.


Pronto, perdi o prumo e a leitura me escapou, já divago em sonetos chuvosos ou contos antigos de chuvas infindáveis, de dilúvios e de krakens, de vendavais e de amor. Passa chuva e me deixa ler, por acaso já não ouvi você? Chuva amiga que a amada molha, diga a ela que lhe sinto a falta, enquanto está longe do seu amado amor. Chuva, chuvinha diga que a espero sereno e em paz e que logo, muito logo nos veremos e nos amaremos mais. Falta pouco, algumas horas, algumas gotas e assim ela volta para minha toca, onde o lobo lê pois é isso que lhe agrada. Chuva que bom que me ouves, nesta tarde cinza me flagro uivando entre o concreto frio da metrópole, enquanto tu, chuva, tens mais sorte. Ei, espere não se vá. Fique aqui chuva até ela voltar, eu lhe imploro querida fique onde está.


Foi-se a chuva como veio, sem adeus e sem sermão. Melhor voltar a velha poltrona e aos livros, pois não vale chorar a chuva derramada. Logo meu amor retorna de sua cotidiana jornada. Talvez a chuva também retorne, de onde ela faz morada.

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